Este mês vamos falar um pouco sobre direitos dos animais. Seres especiais. Luz dos nossos dias. Amores do nosso coração.
Quando entrei para o Curso de Direito e logo numas das primeiras cadeiras que tive (estávamos em 2007, 2008) falávamos nas aulas sobre…”Direito das Coisas”.
Para o Direito uma “coisa”, é tudo aquilo que puder ser objecto de relações jurídicas.
Qual não foi o meu choque, quando percebi que, dentro do Direito das Coisas, estava incluído o tratamento que a Lei dava aos animais…! Sem qualquer diferenciação, tratamento especial, daquele que era dado a uma casa, um carro, ou qualquer outro objecto, passível de ser adquirido e usado pelo Homem…
Cerca de 10 anos depois, em 2017, a Lei n.º 8/2017, de 03 de Março, veio “corrigir” um pouco esta realidade, com a inclusão no Código Civil, de um Subtítulo, dedicado aos animais…e a criação de um Estatuto Jurídico dos Animais.
No Código Civil, pode, agora, ler-se “Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.”
Os animais continuam a poder ser objecto do direito de propriedade, mas com restrições.
Podem ser adquiridos por ocupação os animais que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários.
Mas, aquele que encontrar animal perdido e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu dono ou avisá-lo do achado.
Se não souber a quem pertence o animal, aquele que o encontrar deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao seu valor e às possibilidades locais, e avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.
O achador de animal, deve, quando possível, recorrer aos meios de identificação acessíveis através de médico veterinário.
Anunciado o achado, o achador faz seu o animal perdido, se não for reclamado pelo dono dentro do prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso.
Restituído o animal, o achador tem direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas.
O achador goza do direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração do animal, senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave.
O achador de animal pode retê -lo em caso de fundado receio de que o animal achado seja vítima de maus-tratos por parte do seu proprietário.
No caso de lesão de animal, é o responsável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de indemnização devida nos termos gerais.
A indemnização é devida mesmo que as despesas se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído ao animal.
No caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.
O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis.
O dever de assegurar o bem-estar inclui, nomeadamente:
- a) A garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão;
- b) A garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.
O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.
Em caso de divórcio, os animais de companhia são confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando, nomeadamente, os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal e também o bem-estar do animal.
Mas já em 2014 e 2015, a Lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto, e a Lei n.º 110/2015, de 26 de Agosto, tinham conferido alterações importantes ao Código Penal, nesta matéria, punindo os maus tratos contra animais de companhia e o abandono de animais de companhia.
O Código Penal parte do seguinte conceito de animal de companhia, para penalizar os maus tratos a animais de companhia e o abandono de animais de companhia:
“(…) entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.” Este regime, previsto no Código Penal (…) não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.”
Maus tratos a animais de companhia
Partindo daquele conceito de animal de companhia, o Código Penal estabelece, assim, que quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
Se daqueles factos, resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Abandono de animais de companhia
O Código Penal prevê, também, que quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
Penas acessórias
Consoante a gravidade do ilícito e a culpa do agente, podem ser aplicadas, cumulativamente com as penas previstas para os crimes de maus tratos a animais de companhia e de abandono de animais de companhia, as seguintes penas acessórias:
- a) Privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 5 anos;
- b) Privação, até três anos, contados a partir da decisão condenatória, do direito de participar em feiras, mercados, exposições ou concursos relacionados com animais de companhia;
- c) Encerramento de estabelecimento relacionado com animais de companhia cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença administrativa, até três anos, contados a partir da decisão condenatória;
- d) Suspensão, até três anos, contados a partir da decisão condenatória, de permissões administrativas, incluindo autorizações, licenças e alvarás, relacionadas com animais de companhia.
Nota: ver, em especial os artigos 387.º, 388.º, 388.º-A e 389.º do Código Penal e os artigos 201.º-B, 201.º-C, 201.º-D, 493.º-A, 1318.º, 1305.º-A, 1323.º e 1793.º-A do Código Civil.
O novo Estatuto Jurídico dos Animais, trazido pela entrada em vigor da Lei n.º 8/2017, de 03 de Março, traduziu-se na alteração de outras normas, nomeadamente do Código Penal e do Código de Processo Civil, que não abordámos. Acima referimos, as que, em nosso entender, se traduzem numa protecção jurídica, mais significativa.
Que os seres humanos sejam dignos da dádiva, verdadeira preciosidade, que têm, por partilharem este Mundo e as suas vidas, com estes seres maravilhosos, puros e especiais.
Ana Rita Alves
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