Uma das realidades que mais define a vida da maioria de nós, é a forma como nos relacionamos com o dinheiro. Com os bens materiais em geral.
Somos seres espirituais a viver uma experiência terrena. E uma das experiências com as quais contamos todos os dias (e nem é preciso sair de casa) é a do “negócio jurídico”.
Celebramo-lo quando vamos comprar o pão de manhã, celebrámo-lo quando contratámos os serviços da água, luz e gás, ou quando passamos na portagem e a pagamos…
A sociedade de consumo em que vivemos a isso obriga.
Em cima disso, estão as escolhas, o estilo de vida que optamos levar diariamente. As coisas que nos convencemos de que precisamos. Mesmo que o seu preço exceda o nosso poder de compra naquele momento, naquele mês.
Cada caso é um caso.
Há situações em que a “situação de insolvência” de uma pessoa singular (hoje não falaremos da insolvência de empresa) se desenvolve, realmente, por circunstâncias da vida – o caso potenciado por muitos divórcios, o desemprego repentino, falecimento do cônjuge ou de um ascendente, doença crónica prolongada…
Muitos outros casos existem, por outro lado, onde a situação de insolvência de alguém tem na sua base um desequilíbrio…a lei chama-lhe “especial prodigalidade” – é a pessoa que gasta dinheiro desmedidamente, “sem olhar a gastos”, que frequentemente contrai empréstimos sem possibilidade de os poder vir a cumprir.
Para alguém chegar a uma situação de insolvência houve sempre a colocação dessa pessoa, voluntária ou involuntariamente, numa “situação de risco” que levou ao seu colapso financeiro, momento em que o passivo (as dívidas) é superior ao activo (os rendimentos).
E é aqui que Lei intervém.
O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), estabelece um regime para a insolvência de pessoa singular, que inclui a possibilidade de ser requerida a “exoneração do passivo restante“.
O que é a “exoneração do passivo restante“? É um instituto legal, que prevê a possibilidade de a pessoa insolvente requerer ao Juiz que lhe seja perdoada uma parte da sua dívida perante os seus Credores, desde que reúna os requisitos legais exigidos, e desde que durante cinco anos após a extinção do processo de insolvência (a que Lei chama período de cessão), o insolvente entregue mensalmente uma parte do seu rendimento a uma entidade – chamada Fiduciário. Ao Fiduciário compete, durante esses cinco anos, para além de receber mensalmente o rendimento disponível do insolvente, a verificação do cumprimento de todos os requisitos para que no final daquele período, o perdão de dívida seja mesmo concedido. Caso contrário a exoneração é indeferida e a dívida é exigida na íntegra. Os rendimentos entregues ao Fiduciário durante o período de cessão, servirão para ressarcir os Credores de parte da dívida de que ficaram desembolsados.
Este instituto legalmente previsto da “exoneração do passivo restante” tem por base o Princípio de “fresh start“, que é como o próprio nome indica, uma nova oportunidade que é dada àquela pessoa de recompor a sua vida, financeiramente e não só. Perante determinadas circunstâncias, a Lei concede um perdão de dívida, em desfavor dos Credores que ficarão para sempre desembolsados daqueles valores, em prol da saúde financeira e mental daquele indivíduo que chegou a um ponto de ruptura financeira sem retorno, do qual apenas com intervenção do Ordenamento Jurídico (e diremos nós, divina) se poderia libertar. E foi criado para ser concedido em situações excepcionais, como é fácil de intuir.
Até aqui tudo bem. Diríamos nós.
O problema surgiu quando começou a haver uma utilização excessiva do recurso aquele mecanismo.
E um remédio legal como este que, como explicámos, implica um perdão de dívida é isso mesmo – um remédio…não é uma cura. Ou seja, não trata a questão de fundo, que é o sobre-endividamento. Muitas vezes a necessidade desmedida de consumir, de gastar. E se, aliado a este “vício”/adição tivermos um sistema financeiro que permite a concessão de crédito sem o contraponto da análise do risco financeiro daquela pessoa, da sua real capacidade financeira para contrair aquele empréstimo, está criado o ambiente propício à propagação de uma epidemia. Neste caso uma “epidemia financeira”, mas que tem por base uma epidemia de comportamentos de consumo humano e de carências, muitas vezes emocionais, que causam todo este “efeito borboleta” que leva à situação de insolvência.
Não sei se já tinhas parado para pensar sobre isto.
Mas é uma reflexão que podemos fazer. E que podemos partilhar.
Reflexão sobre as nossas necessidades, sobre os nossos limites, os “nãos” que precisamos dizer e o amor que procuramos “fora”, muitas vezes hiper-compensando com a aquisição de bens materiais.
A Lei tenta acompanhar, com respostas. Reflecte, neste caso, como noutros de que temos falado, pontos essenciais da nossa existência onde podemos e devemos melhorar connosco.
Um abraço,
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