Neste exacto dia em que vos escrevo, já morreram onze mulheres às mãos de homens enraivecidos pelos ciúmes. Em pouco mais de dois meses, onze mulheres perderam a vida desta forma. Estúpida.
Como diria Ricardo Araújo Pereira, não há formas estúpidas de morrer, porque todas as formas de falecer são estupidas. Mas permitam-me referir estas em específico como ignóbeis, absurdas, disparatadas, infames. Estúpidas.
Não apenas as das mulheres, mas também as dos homens. Morreram também homens às mãos enraivecidas de mulheres ciumentas, sabiam? Também estas mortes foram… estúpidas.
Não se trata aqui de género. Trata-se de violência de um ser contra outro ser. De alguém que diz que te ama daqui até à lua mas que provoca mais danos do que daqui até marte. Alguém que tanto te beija com sofreguidão como te asfixia e espezinha. Alguém que te manipula com a mesma astúcia com que te seduz com falinhas mansas.
Homem ou mulher, o que importa? Quando no teu íntimo és uma fera, um animal, um ser pestilento e completamente insano que conjuga todas as células do seu ser para orquestrar um plano infalível de vingança. Aquela cena à filme, que nunca ninguém vai esquecer de tão bem organizada que está. Ou então, não. Ages de improviso. A maldade está lá, em banho-maria, à espera daquele dia em que, do nada, sacas de uma arma e lhe estoiras os miolos.
Não se trata aqui de género. Mas sim de pura e santa estupidez. Não só estupidez pelas mortes de cônjuges que matam cônjuges, mas também pelos maus tratos contra crianças, idosos, pessoas com deficiência. Pura cobardia.
Porém, a maior cobardia continua a estar nas casas de quem não denuncia. No coração de quem vê o vizinho, amigo, o desconhecido a sofrer e nada faz.
Lembro-me bem de uma mulher, a quem vou chamar de Conceição, que era a mulher mais azarada do mundo. Um dia, abriu o armário da cozinha e caiu-lhe uma panela em cima. Na semana seguinte, tropeçou e caiu das escadas abaixo. Um mês depois, tropeçou no quintal e abriu o sobreolho. Pouco tempo depois, soube que estava internada. Nos cuidados intensivos. Costelas partidas, pernas e braços estraçalhados em vários sítios. O marido tinha-a espancado com um chicote. O mesmo chicote com que adestrava o Vilão, o cavalo que montava na GNR. Teve, uma vez mais, “azar”.
Estamos em Março. É o mês da Conceição. É o mês da Dona Isilda, que vive num lar, e que todos os dias é verbalmente agredida pela sua suposta cuidadora. Mas é também o mês do Victor, que desde que conheceu a mulher, com 16 anos de idade, se deixa humilhar e bater. E do Sr. Albano, cujo filho lhe espeta calduços no cangote e um “nunca mais morre a porra do velho” antes de ir sair com os amigos.
Março é o mês deles, porque ainda cá estão. Ainda respiram. Ainda acordam de manhã a tremer de medo por mais um dia. Ainda choram, ainda disfarçam as escoriações. Mas em Abril, não sabemos se ainda estarão por cá ou se já farão parte da estatística negra da violência doméstica.
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