«Fui desafiada a falar sobre as Bruxas e claro que me pus a pensar sobre o tema. E como falar de algo que é tão antigo quanto profundo e controverso?!»
Para simplificar a vida, os conceitos e os pré-conceitos, vou falar de algo ainda mais simples e no qual podemos nos rever ou pode fazer parta da nossa história familiar, que são as senhoras que benzem, fazem benzeduras e oração para quebrar o mau olhado, a inveja, para a criança dormir melhor, para harmonia no lar. Estas senhoras que ficam ali em suas casas, que até podem ser as nossas avós, ou tias-avós, quiçá nossas mães, tias ou irmãs. Estas mulher que existem e persistem em algo simples como benzer e preparar chás, em plantar uma arruda ou alecrim na porta de frente da casa para proteger a família e o lar. Conhece alguém assim?
Lembro quando era criança de ir na casa da minha avó, dela nos colocar sentados numa cadeira de madeira e dizer que era para tirar a inveja de cima. Isto porque, ou se tinha diarreia, ou se estava tão agitado que não se parava por nada… razões não faltavam nunca para ela nos sentar ali naquela cadeira, e com um raminho de arruda rezar a nossa volta. Recordo de que quando ela terminava, algo que devia durar segundos, eu sempre queria ir mais era descansar para algum lado e dormia profundamente.
Para mim isto era tão natural quanto me mandar tomar chá de hortelã para os vermes, de rezar antes de dormir para encomendar o sono… muitas formas de viver a fé, a espiritualidade, mas, essencialmente, de viver o poder do feminino alquímico que existe em todo ser.
Trazemos na nossa ancestralidade o dom de curar, o dom de fazer o bem, o dom da palavra e da acção. Mas sempre coube à mulher manter a ordem no lar, na família e, por conseguinte, ela só poderia ser a herdeira da comunicação com o outro lado, porque toda mulher sabe que tem em si a luz e a sombra, sabe que pode ser a melhor ou a pior pessoa e tudo depende do contexto. E aí temos expressões que dizem e confirmam isto, tal como “uma mãe a defender o seu filho se parecer com uma leoa”.
Somos esta soma de delicadeza e força, de calma e agitação, somos a tormenta e a bonança, somos o claro e o escuro, o sol e a lua, as muitas fases da lua… tudo isto somos nós herdeiras das memórias das bruxas e curandeiras que viveram antes de nós e que, com a graça de Deus, hão de vir depois de nós.
Então, falar de bruxas é falar de cada uma de nós, que do seu jeito aprendeu de alguma forma – com alguém e não interessa quem – uma maneira de usar a sua energia para produzir um bem maior.
Nas imensas imagens divulgadas por aí das bruxas, sempre há o tal do caldeirão. Mas o que era do povo sem um caldeirão a fazer uma sopa quando a fome, o frio, a peste, a alegria ou tristeza batiam a porta?
Ainda hoje, já perceberam que [nós, as mulheres,] sempre temos algo de comer para oferecer? E quando se está doente, o que é que as mães ou avós fazem que não seja preparar chás e sopas?!?!
A bruxaria é um ato de todo dia, é uma maneira de ser independente da religião, até porque a maior parte dos rituais que ainda hoje se utilizam, vem de credos ou conhecimentos muito antigos que visavam unir o mundo físico com o espiritual, porque é uma forma de viver. Embora algumas vezes o termo bruxa seja usado com conotações pejorativas, o fato é que isto só aconteceu por motivos políticos de poder e conquistas, por nenhuma outra razão que não fossem estas: ganância e ignorância. Sendo que primeiro veio a ganância e depois a ignorância, já que com a primeira muito do que se ensinava ou aprendia com as “bruxas” foi-se perdendo pelo medo. E com isto criou-se uma lacuna que deu oportunidade à ignorância de acontecer, porque já não se sabia a verdadeira origem do uso do tomilho nas janelas para afastar o mal que vinha com o inverno. Mas veja lá que o tomilho é uma erva usada para estados gripais, dores de garganta e inflamação… e que se usadas no fogo ou nas janelas onde tinham correntes de vento, faziam com que ocorresse o que chamamos hoje de aromaterapia.
Sim, tudo que uma bruxa fazia era natural e visando o bem maior, porque para uma bruxa não há bem ou mal, há o que deve ser feito para a ordem natural da vida. E esta neutralidade nem sempre era bem aceite ou entendida, porque, infelizmente, quando o ser humano quer algo, nem sempre pensa no que vai derivar daquele desejo. E, para uma bruxa, a visão era sempre mais alargada, maior do que a grande maioria poderia ver ou sentir, porque entre o que queremos e o que nos é cabido ou devido, há a mão de Deus que gere e realiza. Esta aceitação do poder maior, do divino em tudo é algo que talvez numa só vida não venhamos a perceber se formos por conceitos do eu ou do meu.
Quando pensamos em bruxas temos estereótipos que foram criados para diminuir o papel ou a importância da figura feminina no ciclo natural da vida e do poder. Precisamos sair da ignorância e começarmos a estudar mais sobre este ser, que hoje está presente até no masculino, com os bruxos, porque não deixamos de ser quem somos por conta do que nos foi imposto por outros e noutros tempos. E se não voltarmos a buscar este conhecimento perdemos o poder e a capacidade de sermos simples, de usarmos ferramentas simples para o bem natural da saúde física, emocional, mental e espiritual – isto sim, eu considero uma perda grande para a humanidade.
Falei o tempo todo das bruxas, só que existem os bruxos também, mas por incrível que pareça, caso não tenha estudado o tema anteriormente, eles não foram caçados pelas igrejas ou inquisidores. Afinal, o que se queria era tirar o poder e estatuto da mulher e a única forma era atacando o feminino. Vale mesmo a pena ler sobre o tema não para julgar ou criticar, mas para entender e compreender a importância deste resgate para a sociedade atual.
Hoje falamos do poder do feminino, da necessidade de as mulheres terem igualdade de salários, de direitos e etc, mas não podemos esquecer que as bruxas foram as primeiras feministas ativistas da história, porque elas lutaram para não serem banidas como seres humanos. Elas lutaram pelo direito de terem casa, de ficarem com os seus filhos e pertences, tudo pelo qual ainda hoje lutamos. Porque, afinal, era disto que se tratava, é disto que ainda se trata em muitos países, do poder do dinheiro e não da vida humana ou crenças.
Para celebrar bem o dia das bruxas, que se possa orar por cada mulher que um dia deu sua vida por uma causa maior: podermos ser quem somos sem medo e com autonomia plena sobre as nossas vidas e escolhas.
Porque, dentro de cada ser, seja homem ou mulher, há uma fagulha, um fiat da luz maior da essência das mulheres que nos antecederam. E elas foram as bruxas, as sábias, as matriarcas, as sacerdotisas, as curadeiras, as benzedeiras, as cozinheiras, as companheiras, as conciliadoras, as guerreiras vikings e as amazonas, elas foram e são as responsáveis pelo seguimento da “criação da humanidade” gerando filhos e filhas, porque toda bruxa é mãe por natureza, tendo ou não filhos gerados por si, ela cuida de todos como a mãe natureza faz com tudo que se desenvolve na Terra.
Em honra às mulheres de todas as épocas que lutaram por serem bruxas, serem mulheres e serem iguais, sendo diferentes.
E que Novembro venha com a energia do feminino que abraça e acolhe, que nutre e dá apoio.
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