Era uma vez uma menina que morava na cidade grande. Chamava-se Alice. Gostava muito das férias. Os dias eram grandes e quentes e, por entre os pinheiros que ladeavam a casa e o canto das cega-regas, Alice sentava-se num cantinho do quintal e ouvia com muita atenção. Diziam que as cega-regas cantavam sempre igual mas ela ouvia como uma música, e não lhe parecia sempre igual. Elas iam mudando a “ cantiga”, coisa que Alice adorava.
Na cidade não havia nada disso – os automóveis que passavam, as buzinas e todos os barulhos que tem uma cidade. A aldeia da avó da Alice não tinha nada disso. Apenas as cega-regas e o ladrar de um ou outro cão. Também tinha gatos, mas esses não faziam barulho. Preferiam deitar-se ao comprido no beiral das casas velhas e onde sabiam haver ratos para uma boa caçada.
Alice, além de gostar de se sentar no quintal da avó, onde havia couves, um poço com água fresca tirada à nora, um burro que quando lhe apetecia fazia “ iom, iom, iom” a pedir que levassem comida – ou seja, palha fresca. A avó de vez em quando fazia de conta que não ouvia. E lá tornava o burro: “ iom, iom, iom”. Tinha fome o pobre do animal.
Quando era preciso, a avó atrelava-o à carroça e iam os dois à feira. O burro não gostava muito mas como a dona não lhe perguntava nada, não tinha outro remédio. A Alice ia com a avó buscar os ovos, acabados de pôr, por galinhas grandes e gordas. A galinha amarela era quem punha os ovos maiores e mais bonitos.
A casa da avó era velha mas bem cuidada. Um canteiro de flores ficava à porta da cozinha.
As andorinhas, no verão, colocavam os ninhos no beiral da casa.
A avó dizia:
– As andorinhas estão cá. É verão! É tempo de fazerem os ninhos e novas andorinhas sairem dos ninhos.
Quando ficavam em fila, em equilíbrio nos fios da electricidade ou dos telefones, era sinal de que o Outono estava a chegar, portanto, tempo das cega-regas se calarem e as andorinhas irem para outros lugares mais quentes. No próximo verão elas voltam.
Alice via e compreendia todo este ciclo de vida durante alguns anos.
Com a chegada do tempo de escola, a vida modificava-se e rumava à cidade grande.
Ainda no verão que, para ela, passava a correr, Alice dispôs-se a varrer as folhas do caminho do quintal. Pegou numa vassoura feita de giesta seca e reparou que um pequeno rato fizera no meio das cerdas da vassoura, o seu ninho.
– Não me vais tirar daqui, pois não? Disse o ratinho quase a chorar.
Alice deu uma gargalhada. Nunca tinha visto um rato tão de perto.
– Não! Fica à vontade. Não te vou tirar daí. Mas, olha lá. Porque não fizeste o ninho noutro lado? Há o sótão da casa. Aí ficavas mais aconchegado. E os gatos? Ainda não te descobriram?
Os gatos? Esses marotos eram uma séria ameaça, mas por enquanto…
O ratinho pôs-se sentado nas patinhas como se lá tivesse uma cadeira e disse:
– Gosto mais daqui. Vejo tudo o que se passa. Vejo a tua avó, que nunca deu por mim. Ela varre com a vassoura nova. Vejo-te a ti com esse vestido às bolinhas brancas e vermelhas. O cão vem até aqui e eu converso com ele. Vejo as abóboras a crescer na horta, os pêssegos a amadurecer, as maçãs a ficar vermelhas e o luar que ilumina a eira quando o grão seca e eu posso lá ir buscar comida. Querias que eu tivesse melhor paisagem? É por isso que eu moro com a minha família aqui dentro desta vassoura velha.
E o frio chegou. E a Alice foi, de novo, para a cidade. Para o ano ela volta. Lá vai estar à sua espera o gato deitado no beiral do telhado, as andorinhas nos ninhos, o burro a pedir palha fresca e talvez o ratinho na vassoura velha com a sua família.
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