“Um Postal de Detroit”, de João Ricardo Pedro

“Um Postal de Detroit”, de João Ricardo Pedro

Gosto muito de autores portugueses. Durante muitos anos, dediquei-me apenas aos grandes clássicos da literatura mundiais e desprezei os nossos lusitanos, dos quais só admirava a poesia. Uma vida é demasiado pequena para ler todos os livros que valem a pena. Por isso pensava que um país tão pequenino como o nosso não podia ter assim tantos bons escritores. Com o tempo, felizmente, deixei de procurar tabelas e comecei a descobrir novos nomes. Tive algumas desilusões, é certo; mas tive sobretudo boas surpresas. E habituei-me aos portugueses.

O último livro que li foi de João Ricardo Pedro, do qual não sabia absolutamente nada. Venceu em 2011 o Prémio Leya com O Teu Rosto Será o Último, mas escolhi Um Postal de Detroit, um livro sobre a ausência e sobre o movimento constante em procura de paz.

O mote que serve esta narrativa é a conhecida colisão de dois comboios em Alcafache, a 11 de Setembro de 1985. Algumas das vítimas nunca chegaram a ser identificadas. Marta, a irmã do narrador, é uma delas. Ficam os seus cadernos de desenho, com traços do seu dia a dia, que é preciso agora perseguir. Porque razão estaria Marta naquele comboio com destino a Paris? Porque aparecem as suas sapatilhas numa foto de arquivo? Porque razão apareceu apenas o seu cartão de estudante por entre os destroços? A recriação da vida de Marta é feita pelo irmão, num contexto imprevisível onde aparecem personagens memoráveis como boxeurs, presidiários, prostitutas ou anjos. A par disso, índios, cavaleiros e xerifes. E a mãe, personagem constante mas distante, a contrastar com Silvana, a empregada zeladora. Entramos também, de mansinho, um quarto de hospital. A maior presença neste romance é, contudo, a ausência de si mesmo, narrador, nos cadernos de desenho da irmã.

É uma narrativa que não procura um encadeamento, vai-se revelando, entre fantasia, memórias e realidade. Foi o que mais aprovei: não é assim que se constitui uma vida?

Vanessa Martins

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